sexta-feira, 23 de março de 2012




Os Domingos precisam de feriados
Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. 

Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino, no sétimo dia da Criação.

Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo. 

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. 

Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta. 

Hoje, o tempo de 'pausa' é preenchido por diversão e alienação. 

Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações 'para não nos ocuparmos'. 

A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. 

E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. 

O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. 

Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. 

Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. 

Fim de dia com gosto de vazio. 

Um divertido que não é nem bom nem ruim. 

Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo.

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. 

A Internet e a televisão não dormem. 

Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. 

As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. 

A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim. 

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. 

Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. 

O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. 

As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado.

Nossos namorados querem 'ficar', trocando o 'ser' pelo 'estar'. 

Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos? 

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante. 

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. 

Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos.

Parar não é interromper. 

Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. 

O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair - literalmente, ficar desatento. 

É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida. 

A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é 'o que vamos fazer hoje?' - já marcada pela ansiedade. 

E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. 

Quem mata tempo, fere-se mortalmente. 

É este o grande 'radical livre' que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria. 

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. 

A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. 

A pausa é que dá sentido à caminhada. 

A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. 

Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar. 

Afinal, por que o Criador descansou? 

Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

Rabino Nilton Bonder

sábado, 3 de março de 2012


CORA CORALINA
Um repórter perguntou à Cora Coralina o que é viver bem.
Ela lhe disse:

... Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. 
E digo pra você, não pense. 

Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. 
Eu não digo. 
Eu não digo que estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco.

É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.

Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. 

O melhor roteiro é ler e praticar o que lê. 
O bom é produzir sempre e não dormir de dia.

Também não diga pra você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.

Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima. 
Eu não digo nunca que estou cansada.

Nada de palavra negativa. 
Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica.

Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. 
Então silêncio!

Sei que tenho muitos anos. 
Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha, não. 

Você acha que eu sou?

Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. 
Filha dessa abençoada terra de Goiás.

Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos.

Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.

Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.

Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. 

Digo o que penso, com esperança.

Penso no que faço, com fé. 
Faço o que devo fazer, com amor. 

Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.

(Cora Coralina)


Sem palavras...só emoção !